terça-feira, 28 de julho de 2009

O gatilho.

Mais uma vez sentia o metal frio entre seus dedos, aquela sensação há muito deixou de incomodá-lo, na verdade sentia-se estranhamente familiarizado com aquilo. Sua mão trêmula pendia sobre estilhaços de vidro da janela que teve que quebrar para ter uma visão nítida, e os cacos de vidro o perfuravam lentamente fazendo correr um fio escarlate sobre a parede cor de chumbo.

Aos poucos apareceram os primeiros capacetes verde musgo no fim da estrada, sabia quer aqueles eram apenas os peões, e como tais sempre os primeiros a serem sacrificados pela glória de outros os quais não possuem conhecimento, enfileirados como formiginhas caminham movidos por mãos que de longe os ordenam e que não sujam suas mãos com o profano sangue de soldados rasos.

Mas rapidamente afasta estes pensamentos, a concentração é fundamental no seu trabalho, sempre foi, ele sabe que terá apenas uma chance, e a simples possibilidade de desperdiçá-la lhe aterroriza.

E logo aparece sobre um blindado um homenzinho franzino de tez pálida, esta figura lhe aterroriza desde que recebeu sua fotografia, com altivez não condizente com suas características físicas imprime ordens a torto e a rodo com rispidez típica dos vermes.

Não entendia como aquele homem tão pequeno, que não emitia nenhum sinal de crueldade, poderia ter sido o desencadeador da ordem que resultou na morte de centenas de dissidentes refugiados na única escola judia da velha cidade.

Isso não mais importa, ordens são ordens, só resta à ele cumpri-las sem perguntar pra que ou para quem, mas, eliminar homens como aquele não era nenhum sacrifício, devendo ate receber uma medalha por bravura quem sabe.

Seu campo de visão melhora, e o homenzinho agora desponta claramente na sua frente, sem remorso ele aciona o gatilho, deixando o projétil correr dando ao seu alvo o destino que merece, com esse são quinze, agora só faltam cinco.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Mais uma vez, olhinhos verdes.

A luz fria da fluorescente lançava um ar mais sombrio e triste, onde a tristeza já transbordava pelas janelas e transpassava pelas frestas da porta invadindo o corredor que exalava éter.

Dentro do cubículo branco os únicos sons ainda audíveis são os “bips” compassados dos instrumentos que insistem em manter artificialmente aquilo que nos prendemos tanto, e evitando o nefasto e inevitável epílogo de uma comédia ou drama, como queira.

O corpo que jaz deitado na cama daquele cubículo há muito não têm seu corpo banhado pelo calor do sol, há muito não vê ou sente o cheiro das mangueiras, apenas resiste por insistência infantil, faz um ultimo esforço e vagarosamente levanta as pálpebras tentando ver os aparelhos aos quais está ligado há tanto tempo.

Aparelhos de Merda!, que ainda fazem o músculo se contrair e adiar o que ele já se aceitou há muito, e uma lágrima apressada corre por seu rosto demonstrando uma certa inconsistência desse seu finalismo. Outra lágrima corre, e traz consigo as lembranças da primeira vez que viu aqueles pequenos olhinhos verdes, dos primeiros passos, e das muitas quedas.

Outras lágrimas correm insistentes, formando um rio melancólico e silencioso, sobre aquele rosto agora úmido que sobreviveu à tantos sóis, verões e invernos, que amava e odiava, que vivia e morria a cada instante, que agora só pensava em mais uma vez, pela última vez, ver aqueles olhinhos verdes, abraçá-los.